Se antes as pessoas largavam tudo para aproveitar uma boa oportunidade profissional, cresce cada vez mais o número de pessoas que buscam equilíbrio entre trabalho e a vida que há fora dele.
Até alguns anos atrás, profissionais recém-formados não pensavam duas vezes em aceitar oportunidades para trabalhar nas cidadezinhas do interior, afinal enxergavam aonde ainda havia muito o que fazer a grande chance de construir uma carreira sólida. Com uma mão na frente e outra atrás, eles estavam dispostos a ficar longe das suas famílias o tempo que fosse necessário, pois entendiam que esse era o preço a ser pago para se tornarem “alguém na vida”. Pessoas que viviam para trabalhar.
Por isso, pouco importava o jeitão do chefe. Se fosse amigável e compreensivo, que bom! Se fosse turrão e impertinente, bom também! Todo sacrifício exigido ao lidar com pessoas difíceis e cumprir jornadas estafantes era encarado objetivamente como parte da caminhada até o topo.
Essa visão perdurou por décadas e deu origem a uma ética de trabalho na qual as pessoas se dedicavam integral e fielmente à organização com a promessa – tácita ou expressa – de que seriam recompensadas no futuro. Esse era o pacto e todos o conheciam muito bem. Contudo, a sociedade mudou e agora boa parte das pessoas não quer mais apenas viver para trabalhar.
Peter Drucker disse certa vez: “Ganhar a vida já não é suficiente, o trabalho tem que nos permitir vivê-la também”. É claro que o trabalho circunda toda nossa vida e ainda a organiza, mas é cada vez mais difícil encontrarmos pessoas que estejam dispostas a abrir mão daquilo que construíram para aproveitar uma oportunidade profissional que parece atraente e acaba de bater à porta.
É simples comprovar isto. Se alguém lhe oferecesse uma vaga para trabalhar numa cidadezinha do interior da Amazônia ganhando o triplo do salário atual, qual seria a sua resposta? Hoje em dia, diante desta mesma pergunta, a maioria das pessoas agradece o interesse da empresa e logo depois respondem negativamente. Enquanto isto, posições com salários extremamente atrativos continuam descobertas.
E o fenômeno não se restringe somente aos cargos que exigem uma formação mais especializada. Antigamente, por exemplo, era fácil encontrarmos motoristas de caminhão que ficavam dois meses fora de casa rodando pelo país para garantir o sustento da família. Agora muitas transportadoras pagam bem melhor e assim mesmo encontram dificuldades para convencê-los a ficar uma semana ininterrupta na estrada. Dias atrás um motorista experiente explicou o motivo: “Eu entendo que posso ganhar melhor ainda se viajar por mais tempo, mas não é apenas o dinheiro que importa. Quero almoçar no domingo com a minha família”.
Além de buscar maior equilíbrio, também é inegável que muita gente quer trabalhar para viver porque as condições macroeconômicas do país agora permitem ao brasileiro fazer suas próprias escolhas. Segundo dados do CAGED, em 2002 cerca de 17% das demissões eram voluntárias, isto é, a pedido do trabalhador. Dez anos depois o número cresceu para 30% e certamente a próxima pesquisa já trará dígitos ainda maiores.
Se você vive para trabalhar é preciso ponderar que a geração mais nova não dará o sangue pela empresa igual a você. Eles não vão ficar no escritório durante o final de semana nem tampouco fazendo serão até as duas da madrugada como parte da rotina. Entregarão o melhor que puderem durante o expediente e depois cuidarão de tudo o mais que envolve as suas vidas. É assim que praticam comprometimento.
Por outro lado, se você trabalha para viver e seu chefe tem mais de quinze anos de carreira é provável que ele veja o mundo com outros olhos. Não basta realizar um bom trabalho e depois ir embora. É necessário fazer mais do que o combinado de vez em quando e mostrar, nos gestos mais simples, que se importa profundamente com a empresa; caso contrário, ele não se dedicará a orientá-lo na intensidade que você precisa até se tornar um profissional ainda melhor.
Durante os próximos anos nós lidaremos nas organizações com pessoas que sintetizam estes dois perfis (o nosso e o outro). Com um pouco de bom senso e certa disposição para compreender quem vê o trabalho sob um diferente prisma, certamente é possível conviver bem e ainda aprender muito com elas.
Palestrante e consultor empresarial especialista em Formação de Lideranças, Desenvolvimento Gerencial e Gestão Estratégica, também é professor universitário em cursos de pós-graduação. Mestre em Administração de Empresas, possui MBA em Gestão Estratégica de Pessoas e é autor dos livros “Líder tático” e “O gerente intermediário”, ambos publicados pela Ed. Qualitymark.